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Enquanto o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) investe numa campanha para melhorar a autoestima e a imagem dos contadores no país, o governo federal insiste em usar manobras que tem como efeito colateral dar uma má fama à contabilidade.
O CFC alcançou algo inimaginável para muitos envolvidos na profissão. Além das inserções de jingles no rádio e na TV, o órgão de classe conseguiu reunir em um único anúncio as fotos dos presidentes locais das cinco maiores firmas do setor de auditoria do mundo: Deloitte, PwC, EY, KPMG e BDO.
O “feito” do CFC, de reunir as arqui-rivais, faz parte da comemoração do ano da contabilidade no Brasil, iniciativa do órgão brasileiro que deve ser copiada em nível global em 2014 para valorização da profissão.
Já em Brasília, o ano da contabilidade foi 2012, já que dezembro passado concentrou o maior número de manobras criativas para a obtenção do superávit primário. Triangulações de dinheiro virtual entre diferentes entidades do governo transformaram dívida em receita e garantiram a meta formal de ajuste fiscal daquele ano.
Mas o uso em excesso das medidas pegaram tão mal que causou críticas duras até mesmo de interlocutores próximos do governo, como as do ex-ministro Delfim Netto. O entendimento geral é que o uso do que se convencionou chamar de contabilidade criativa mina a credibilidade das contas públicas do país, que não estão na melhor forma.
O que se imaginava é que até o governo havia se convencido de que seria melhor admitir o descumprimento da meta de superávit do que recorrer a tais manobras.
A ideia nesse ano, portanto, era não precisar repetir as medidas.
Mas a repórter Leandra Peres, da sucursal do Valor em Brasília, revelou ontem no Valor PRO que mais uma ação desse tipo está no forno. A operação envolve empréstimos da Caixa Econômica Federal para subsidiárias da Eletrobras, que usarão os recursos para pagar parte da conta da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que até então vem afetando diretamente as contas do Tesouro Nacional, como despesa primária.
A grande questão nesse caso é que, apesar do nome que recebeu, o governo não faz contabilidade criativa. Mas contabilidade mal aplicada mesmo.
O que permite esses tipos de manobra são dois problemas da contabilidade pública, e isso vale tanto para as três esferas de governo no Brasil como para a maioria dos países do mundo.
Os governos usam o regime de caixa para registrar suas receitas e despesas, e não o regime de competência, como fazem todas as empresas sérias do mundo, já que existe um consenso de que esse segundo modelo evidencia melhor a situação econômica e financeira de uma entidade. Em um exemplo simples, as empresas provisionam frações do décimo terceiro a pagar ao longo de todo o ano. O governo registra o valor extraordinário na contabilidade no mês exato de desembolso. O uso do regime de caixa permite que se faça ajustes e transferências de última hora (ou adiamento pontuais de pagamentos) para tentar aparecer bonito na foto do dia 31 de dezembro de cada ano.
Além disso, há um problema de consolidação das contas. Ou seja, de quais entidade entram ou não dentro na conta do superávit do setor público consolidado. Se todas as entidades controladas fossem consolidadas (como ocorre no setor privado), as transferências de recursos de uma empresa estatal para outra, ou para o caixa do Tesouro, não teriam nenhum efeito para o resultado global. As manobras contábeis não teriam efeito nenhum.
Mas não é o que ocorre na prática. As estatais financeiras – BNDES, BB e Caixa – não são consolidadas. O Fundo Soberano, a Petrobras e a Eletrobras também não. Esse tipo de exceção permite que o governo registre receita ou evite uma despesa fazendo triangulações entre essas entidades, o que está mais para distorção do que para criatividade.