Lucro Presumido e a compensação do imposto pago no exterior

A Solução tratou, ainda, da possibilidade de dedução para essas empresas quando houver acordo ou convenção para evitar a bitributação entre os países envolvidos.

No dia 5 de agosto de 2014 foi publicada a Solução de Divergência de nº 8 que pôs fim à dúvida da compensação do imposto pago no exterior quando a empresa é optante pelo lucro presumido. A Solução tratou, ainda, da possibilidade de dedução para essas empresas quando houver acordo ou convenção para evitar a bitributação entre os países envolvidos.

A Solução de Divergência foi publicada para sanar conflito existente entre as SRRF 10ª Disit e a 9ª Disit, que trouxeram conclusões completamente opostas nas Soluções de Consultas nºs. 429/2004 e 159/2013, respectivamente, para o mesmo tema proposto.

Inicialmente, a Solução de Consulta SRRF 10ª região/Disit nº 429/2004 dispôs que a pessoa jurídica optante pelo lucro presumido não poderia deduzir do imposto de renda apurado o imposto incidente no exterior sobre as receitas decorrentes da prestação de serviços efetuada diretamente, por falta de previsão legal.

Realmente, não há previsão legal para que a dedução feita pela pessoa jurídica optante pelo lucro presumido fosse amparada. A previsão constante do art. 15 da Lei nº 9.430/1996trata da empresa optante pelo lucro real, já que a redação do “caput” do artigo remete o leitor aos requisitos tratados no art. 26 da Lei nº 9.249/1995, específico às empresas optantes pelo lucro real.

Ocorre que a Solução de Consulta SRRF da 9ª região/Disit, nº 159/2013, publicada quase dez anos após a resposta dada pela 10ª região, dispôs que a pessoa jurídica optante pelo lucro presumido pode deduzir do imposto de renda apurado no Brasil o imposto incidente no exterior sobre a receia decorrente da prestação de serviços efetuada diretamente.

A falta de entendimento nas respostas gerou uma insegurança ao contribuinte que se viu diante de duas respostas opostas sobre o mesmo questionamento. Assim, para sanar a oposição foi publicada a Solução de Divergência nº 8/2014 que pôs fim ao conflito, esclarecendo que a pessoa jurídica que exercer a opção pelo regime de tributação com base no lucro presumido e prestar serviço diretamente no exterior não poderá compensar imposto pago no país de domicílio da pessoa física ou jurídica contratante.

Neste comentário analisaremos os argumentos trazidos pela Solução de Divergência para fundamentar a negativa de dedução pelas empresas optantes pelo lucro presumido.

Iniciaremos por analisar o disposto no art. 26 da Lei nº 9.249/1995, que tratou da compensação do imposto de renda incidente, no exterior, sobre os lucros, rendimentos e ganhos de capital computados no lucro real. Assim dispõe ao rt. 26:

“Art. 26 A pessoa jurídica poderá compensar o imposto de renda incidente, no exterior, sobre os lucros, rendimentos e ganhos de capital computados no lucro real, até o limite do imposto de renda incidente, no Brasil, sobre os referidos lucros, rendimentos ou ganhos de capital.
§ 1º Para efeito de determinação do limite fixado no caput, o imposto incidente, no Brasil, correspondente aos lucros, rendimentos ou ganhos de capital auferidos no exterior, será proporcional ao total do imposto e adicional devidos pela pessoa jurídica no Brasil.
§ 2º Para fins de compensação, o documento relativo ao imposto de renda incidente no exterior deverá ser reconhecido pelo respectivo órgão arrecadador e pelo Consulado da Embaixada Brasileira no país em que for devido o imposto.
§ 3º O imposto de renda a ser compensado será convertido em quantidade de Reais, de acordo com a taxa de câmbio, para venda, na data em que o imposto foi pago; caso a moeda em que o imposto foi pago não tiver cotação no Brasil, será ela convertida em dólares norte americanos e, em seguida, em Reais.”

A lei ora analisada instituiu o princípio da tributação em bases universais, assim a partir de 1º/1/1996, por força do artigo 25 da Lei nº 9.249/1995, os lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior passaram a ser computados na determinação do lucro real das pessoas jurídicas.

Observe que a possibilidade de dedução, tratada neste artigo, é para as empresas optantes pelo lucro real e não presumido, além dos demais requisitos para tal compensação, tais como: a) o IR incidente, no Brasil, correspondente às receitas auferidas no exterior, deve ser proporcional ao total do imposto e adicional devidos pela pessoa jurídica no Brasil; b) o documento relativo ao IR incidente no exterior deve ser reconhecido pelo respectivo órgão arrecadador e pelo Consulado da Embaixada Brasileira no país em que for devido o imposto; c) o IR a ser compensado será convertido em quantidade de Reais, de acordo com a taxa de câmbio, para venda, na data em que o imposto foi pago.

A compensação sobre as receitas “decorrentes de serviços” veio somente em 30/12/1996 com a publicação daLei nº 9.430/1996, que em seu artigo 15 possibilitou à pessoa jurídica domiciliada no Brasil que auferisse receitas do exterior resultante da prestação de serviços, compensasse o IR pago no exterior, desde que observado o art. 26 da Lei nº 9.249/1995, acima analisado:

“Art. 15. A pessoa jurídica domiciliada no Brasil que auferir, de fonte no exterior, receita decorrente da prestação de serviços efetuada diretamente poderá compensar o imposto pago no país de domicílio da pessoa física ou jurídica contratante, observado o disposto no art. 26 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995.”

A redação do artigo 15 Lei nº 9.430/1996remete ao artigo 26 da Lei nº 9.249/1995que, como já visto, trata da possibilidade de compensação o IR incidente no exterior sobre os lucros, rendimentos e ganhos de capital, computados no lucro real.

Nas legislações analisadas não há menção ao lucro presumido, a previsão na legislação trata da possibilidade de compensação às pessoas jurídicas que tributam o IR no lucro real.

Ademais, aLei nº 9.718, publicada em novembro de 1998, com efeitos a partir de 1º//01/1999, em seu artigo 14 trouxe um rol taxativo de situações que obrigam as pessoas jurídicas a apurarem o IR no lucro real. Entre as situações, estão as pessoas jurídicas “obrigadas” à apuração do lucro real quando tiverem lucros, rendimentos ou ganhos de capital oriundos do exterior:

Art. 14. Estão obrigadas à apuração do lucro real as pessoas jurídicas:
I – cuja receita total no ano-calendário anterior seja superior ao limite de R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais) ou proporcional ao número de meses do período, quando inferior a 12 (doze) meses;
II – cujas atividades sejam de bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financimento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras de títulos, valores mobiliários e câmbio, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguros privados e de capitalização e entidades de previdência privada aberta;
III – que tiverem lucros, rendimentos ou ganhos de capital oriundos do exterior;
IV – que, autorizadas pela legislação tributária, usufruam de benefícios fiscais relativos à isenção ou redução do imposto;
V – que, no decorrer do ano-calendário, tenham efetuado pagamento mensal pelo regime de estimativa, na forma do art. 2º da Lei nº 9.430, de 1996;
VI – que explorem as atividades de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria credutícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring).
VII – que explorem as atividades de securitização de créditos imobiliários, financeiros e do agronegócio.

Oartigo 14 da Lei nº 9.718/1998veda a possibilidade de empresas que tem receitas do exterior apurem o imposto de renda no lucro presumido.

A Solução de Consulta SRRF da 9ª região/Disit, nº 159/2013, interpretou de forma favorável ao contribuinte optante pelo lucro presumido a possibilidade de deduzir do IR apurado no Brasil o imposto incidente no exterior sobre a receita decorrente da prestação de serviços efetuada diretamente. Ocorre que ainda que favorável, não há previsão para essa dedução para pessoa nesse regime de tributação.

A possibilidade apenas estaria amparada sob a égide de tratados e/ou convenções internacionais que atenderiam ao disposto naLei nº 5.172/1.966– CTN, que reza que “os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”.

Neste caso, os tratados e/ou convenções internacionais seriam analisados e aplicados de forma especial, respeitando e fazendo prevalecer os termos do tratado e/ou acordo, no caso concreto, sem que haja qualquer invalidação da norma interna para os demais casos. Ou seja, na possibilidade de haver acordo e/ou convenção internacional disciplinando a possibilidade de compensação para impedir ou evitar a dupla tributação sem mencionar o regime de tributação, podemos aplicar a compensação do IR pago no exterior, sob as receita decorrente da prestação de serviços, à pessoa jurídica no Brasil optante pelo lucro presumido.

Desta forma, em face ao exposto, podemos concluir que acertadamente foi publicada a Solução de Divergência de nº 8/2014, reformando a Solução de Consulta SRRF da 9ª região/Disit, nº 159/2013, dispondo que, por falta de previsão legal, não há possibilidade de compensar o IR pago no exterior pela prestação de serviço no exterior pelas pessoas jurídicas tributada na forma do lucro presumido. A única exceção se daria no caso de acordo e/ou convenção internacional que tratasse da possibilidade de compensação sem mencionar a aplicação a um tipo de regime específico.

Jane Maria Severino

Bacharel em Direito pela Universidade Metodista de São Paulo. Pós-graduanda em MBA em Gestão Tributária pelo Instituto Nacional de Pós-graduação – INPG. Consultora de Tributos Diretos, Contabilidade e Societário na Thomson Reuters – FISCOSoft

Fonte: FISCOSOFT / Portal Contábeis

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